Audiências Públicas e os radiofármacos: O que está ruim pode ficar pior!

AP 21/10: Ex-ministros de Ciência e Tecnologia discutem produção de radioisótopos no País 
Fonte: Agência Câmara de Notícias

A comissão especial da Câmara dos Deputados que analisa a produção de radioisótopos de uso médico pela iniciativa privada convidou ex- ministros de Ciência e Tecnologia e ex-secretários Ciência e Tecnologia do Ministério da Saúde para discutir o assunto em nova Audiência Publica na próxima quinta-feira (21).

O colegiado analisa a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 517/10, do Senado, que autoriza a iniciativa privada a produzir todos os radioisótopos de uso médico. Hoje, a iniciativa privada pode comercializar e utilizar apenas radioisótopos com meia-vida igual ou inferior a duas horas.

Os outros radioisótopos só podem ser produzidos pelo Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), em São Paulo, e pelo Instituto de Engenharia Nuclear (IEN), no Rio de Janeiro.

No mês passado, no entanto, o Ipen, que é vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações, suspendeu essa produção por falta de verba. Alguns dias depois o Ministério da Economia liberou um crédito suplementar de R$ 19 milhões e, na semana passada, o Congresso aprovou crédito de R$ 63 milhões para produção de radiofármacos.

O atual ministro da Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes, no entanto, disse que esses recursos precisam ser liberados rapidamente para evitar nova interrupção.

Foram convidados para discutir o assunto com os parlamentares:
– os ex- ministros de Ciência e Tecnologia Sérgio Machado Rezende (2005-2010), Celson Pansera (2015-2016) e Gilberto Kassab (2016–2019);
– os ex-secretários de Ciência e Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde Reinaldo Guimarães (2007-2010), Carlos Gadelha (2011-2014), Jarbas Barbosa da Silva Júnior (2014-2015), Adriano Massuda (2016), Marco Antônio Fireman (2016-2018) e Denizar Vianna (2019-2020).

A reunião será realizada às 9 horas, no plenário 13.

Urgente! A crise dos radiofármacos: tudo pode piorar!

Na quinta feira passada, 14/10/21, a Comissão Especial da Câmara dos Deputados, que analisa a privatização da produção e comercialização dos radiofármacos de meia-vida acima de duas horas, realizou nova Audiência Pública. Para esta Audiência, o relator da Comissão, General Paternelli, convidou um representante do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), Contra-Almirante Carlos André Coronha Macedo, e mais um militar, representando a Estatal da Marinha, Amazul.

Chama a atenção que os militares sejam atores principais na definição de um tema relacionado à área da Saúde, à Medicina! Pazuello e o grande número de militares no Ministério da Saúde talvez não tenham sido um acidente de percurso. Não são os servidores técnicos, concursados e especializados do Ministério da Saúde que estão tratando deste tema, mas o GSI.

Vale lembrar que, em um recente congresso do setor de medicina nuclear, um representante do GSI foi homenageado, e justamente pelo empenho do Gabinete em acolher as reivindicações de parte do setor, que tem todo o interesse na privatização. O GSI, inclusive, teria conseguido, junto ao Ministério da Economia (Despacho 61, de 03/09/21), a autorização para que os Estados isentem o setor do recolhimento do ICMS. Mas o setor quer mais, e obteve o compromisso do GSI em buscar também a isenção do imposto de importação. Assim é fácil, capitalismo sem risco: pelas especificidades do produto em questão, produzidos por pouquíssimas empresas no mundo, passaremos do monopólio estatal para a reserva de mercado para 2 ou 3 grupos privados, com preços regulados pelo dólar, cuja meta é o lucro dos acionistas.

Como a Amazul, que nunca produziu ou distribuiu um radiofármacos sequer, se tornou um dos principais “players” do setor? Esta Estatal, que foi criada há oito anos, como uma empresa de engenharia ligada ao programa de construção do submarino nuclear da Marinha, e que, surpreendentemente, conta atualmente com mais de 1800 funcionários, expandiu sua área de atuação, estando hoje “a serviço da defesa, energia, saúde do cidadão e qualidade dos alimentos”.

E vejam que a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), à qual o IPEN é ligado, também é dirigida por um militar da reserva, que não tinha nenhuma experiência na área nuclear, mas que introduziu em seu Plano de Orientação Estratégica 2019-2022, a quebra do monopólio da produção de radiofármacos.

Há um forte lobby que busca a aprovação da PEC 517-10, que trata da quebra do monopólio estatal, e há mais de 10 anos são utilizados argumentos completamente falsos para justifica-la. Exemplo disso são as manifestações do senador Álvaro Dias, propositor da Emenda.

Sobre isso, e sobre diversos outros tópicos relacionados, sugerimos que leiam o Boletim da ASSIPEN (Associação dos Servidores do IPEN) neste link (https://assipen.org.br/radiofarmacos-impactos-da-quebra-do-monopolio-na-…), e o Boletim do SINDSEF-SP, neste outro link (http://sindsef-sp.org.br/portal/node/14159).

Seria muito importante que se fizesse um balanço dos benefícios à sociedade oriundos da quebra do monopólio da produção dos radiofármacos de meia-vida curta. Já se passaram 15 anos, tempo suficiente para tanto. Evidente que a distribuição e aplicação destes radiofármacos sofreram uma expansão, mas motivada pelo aumento de equipamentos (como os tomógrafos computadorizados, cujos preços tiveram forte redução), profissionais especializados e instalações em clínicas e hospitais. Mais uma vez afirmamos: o IPEN fornece seus radiofármacos para todo o país, para todas as clínicas e hospitais licenciados para manipular estes materiais radioativos. Não é verdade que a expansão da sua utilização esteja obstruída pela produção estatal.

Há ainda um problema grave relacionado à segurança nuclear: estes “empreendedores” terão equipes de proteção radiológica? Serão responsabilizados caso ocorra um acidente envolvendo material radioativo? Certamente isso não faz parte de suas preocupações, já que o “importante” é a viabilidade do “negócio”!

Certamente buscarão explorar o fato da recente paralisação da produção dos radiofármacos para “demonstrar” a necessidade da privatização. Esta paralisação, inédita, que nunca havia ocorrido nos mais de 50 anos de produção de radiofármacos, pode ser apenas incompetência do atual governo (os recentes cortes em C&T sugerem também descaso, falta de compromisso); mas, a depender dos argumentos utilizados, podem também sugerir que havia uma “torcida” para que isso ocorresse. Será muito interessante ouvir a opinião dos parlamentares governistas.

Outro tema que não se divulga é o retorno financeiro que a comercialização dos radiofármacos, pelo IPEN gera para o Tesouro da União. Só neste ano, até agosto, foram gerados mais de 60 milhões de reais em receitas, que foram direto para os cofres do Tesouro Nacional, sem que o IPEN pudesse utilizá-los.

O que está em jogo? Justamente quando o país poderá adquirir total independência e autonomia na produção de radiofármacos, com a construção do Reator Multi-Propósito, aceleram o lobby para a quebra do monopólio estatal. As grandes produtoras multinacionais querem a liberação da importação destes materiais, de modo a inibir o desenvolvimento nacional. Alguns grupos vislumbram lucrar com o que será produzido pelo RMB; ou seja, o Estado investe bilhões na construção do reator, e os “empreendedores” faturam com a comercialização.

Caso essa PEC seja aprovada, estarão destruindo, em curto prazo, mais um setor de tecnologia de ponta no país, pois só se consegue avançar no desenvolvimento de novos radiofármacos (atividade que não será realizada pela iniciativa privada) estando conectado a este mercado. Há muito mais interesses em jogo do que profetizam os defensores da “regulação pelo mercado”.

Evidentemente há muitos problemas no setor, que precisam ser debatidos por especialistas da sociedade como um todo. Há muita falta de funcionários, só para destacarmos um ponto (enquanto a Amazul cresceu rapidamente, o IPEN foi praticamente descartado pelos últimos governos, que não promoveram contratações de servidores, com grave perda de conhecimento). Será viável como saída a criação de uma Fundação para a gestão da produção e comercialização dos radiofármacos? Aos moldes da Fiocruz, do instituto Butantã?

Acreditamos que os setores conscientes do parlamento brasileiro não permitirão mais este crime contra o país, pois é disso que se trata: mais um setor estratégico que querem entregar ao “mercado”, o que na realidade é mais uma etapa do processo de recolonização do Brasil pelas multinacionais.

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