A Desigualdade Mata
Um novo bilionário surge a cada 26 horas desde o início da pandemia. Os dez homens mais ricos do mundo dobraram suas fortunas, enquanto mais de 160 milhões de pessoas foram empurradas para a pobreza.
Nesse meio tempo, estima-se que 17 milhões de pessoas morreram de Covid-19 no mundo.
O custo da profunda desigualdade que enfrentamos é pago em vidas humanas. É o que a Oxfam demonstra no briefing A Desigualdade Mata, lançado às vésperas do encontro do Fórum Econômico Mundial 2022 em Davos, Suíça – e que você pode acessar clicando aqui.
Enquanto um pequeno grupo de pessoas lucrou como nunca durante a pandemia, aumentando suas riquezas de maneira extraordinária, a maior parte da população global está arcando com os principais prejuízos – Desemprego, perda de renda, mortes. A pandemia aprofundou as desigualdades e isso está desestruturando nossas sociedades e matando pessoas.
A atual estrutura econômica do mundo concentra riqueza, empobrece e mata milhões de pessoas, destrói o planeta e coloca em risco o futuro da existência humana no planeta. Queremos uma economia centrada na igualdade, em que ninguém precise viver na pobreza extrema e ter apenas que sobreviver. Todas e todos têm o direito de ter oportunidades para prosperar e ter uma vida mais digna.
- Os 10 homens mais ricos do mundo têm hoje seis vezes mais riqueza do que os 3,1 bilhões mais pobres do mundo.
- No Brasil, os 20 maiores bilionários do país têm mais riqueza do que 128 milhões de brasileiros (60% da população).
- Um imposto único de 99% sobre os ganhos obtidos pelos 10 maiores bilionários durante a pandemia poderia pagar vacinas suficientes para a população do mundo.
- O 1% mais rico do mundo emite mais do que o dobro de CO2 do que os 50% mais pobres do mundo, intensificando as mudanças climáticas e contribuindo para desastres naturais.
A epidemia de desigualdade no Brasil
16/01/22 – Jefferson Nascimento – Coord de Pesquisa e Incidência em Justiça Social e Econômica da Oxfam Brasil
Quando a pandemia de covid-19 atingiu o Brasil, resultou em uma crise social, econômica e sanitária, pois o país estava vulnerável em diferentes dimensões, cenário que vem se agravando desde 2015 e interrompeu a tendência de redução da desigualdade de renda, verificada desde o início dos anos 2000. Em 2018, a renda das mulheres diminuiu em relação à dos homens, um fato inédito no século XXI, ao lado de quase uma década de estagnação da proporção da renda média da população negra brasileira em relação aos brancos. Com o posterior declínio nos indicadores socioeconômicos e a adoção de medidas de austeridade que restringiram os investimentos em políticas públicas sociais, esse cenário se agravou ainda mais, com aumento do desemprego e interrupção de políticas públicas como a política de aumento do valor real do salário mínimo.
A epidemia de desigualdade no Brasil antecedeu a pandemia de Covid-19. Segundo o IBGE[1], em 2018 o Brasil era o oitavo país mais desigual do planeta e a desigualdade de renda havia atingido o maior patamar desde 2012, pois a renda dos 10% mais ricos era 13 vezes superior à média dos 40% mais pobres. Negros e mulheres, base da pirâmide social brasileira, continuam sendo os mais afetados nesse contexto.
Desemprego e perda de renda
A pandemia de Covid-19 acelerou o agravamento da crise social e econômica no Brasil. De abril de 2020 a abril de 2021, estima-se que 377 brasileiros perderam o emprego por hora; no pior momento da crise, quase 1.400 brasileiros foram demitidos por hora e o Brasil registrou recorde de 14,4 milhões de desempregados em abril de 2021. Quase 600 mil empresas faliram, prejudicando sobremaneira os indicadores de emprego no país. Os programas destinados a garantir o emprego foram mal implementados e promoveram condições de trabalho precárias para jovens e grupos vulneráveis.
No terceiro trimestre de 2021, o desemprego caiu para 13,5 milhões de brasileiros, devido ao aumento da informalidade e empregos precários, porém a taxa de desemprego entre os negros ainda é maior do que entre os brancos, contribuindo para maior desigualdade de renda. No Brasil, as mulheres ocupam mais empregos informais do que os homens, portanto, a perda de renda entre as mulheres foi maior durante a pandemia, causando efeitos colaterais de aumento do isolamento e maior exposição à violência doméstica. Estudo mostra que uma em cada quatro mulheres brasileiras foi vítima de violência durante a pandemia.
Epicentro da fome
A fome disparou durante a pandemia. Em dezembro de 2020, 55% da população brasileira estava em situação de insegurança alimentar (116,8 milhões, equivalente à população conjunta da Alemanha e Canadá) e 9% passavam fome (19,1 milhões, superior à população da Holanda). Isso representa um retrocesso aos patamares verificados em 2004. O vírus da fome afeta mais as mulheres e os negros no Brasil – 11,1% dos domicílios chefiados por mulheres e 10,7% dos domicílios liderados por negros passavam fome no final de 2020, em comparação com 7,7% dos domicílios chefiados por homens e 7,5% das famílias encabeçadas por brancos.
O papel dos programas de transferência de renda
Medidas emergenciais foram adotadas para mitigar os impactos da pandemia no Brasil. Destaque para o Auxílio Emergencial, programa de transferência de renda estabelecido a partir da mobilização da sociedade civil e do Congresso Nacional brasileiro, cuja cobertura atingiu 67 milhões de brasileiros (31% da população do Brasil) com investimento público de R$ 322 bilhões (US$ 58,4) bilhões), o que corresponde a 4% do PIB brasileiro. O Auxílio Emergencial contribuiu para a redução do índice de pobreza do Brasil de 11% no final de 2019 para 4,5% em agosto de 2020, mas, entre abril e dezembro de 2021, o benefício foi reduzido e está sendo assegurado para pouco mais de 50% dos beneficiários de 2020, dificultando sua atuação como barreira contra a fome e a pobreza. Pelo menos outros 20 milhões serão excluídos dos programas de transferência de renda em 2022.
Criado em 2003, o Bolsa Família, programa de transferência de renda reconhecido internacionalmente, foi extinto em novembro de 2021. Seu substituto – o Auxílio Brasil – desmonta quase duas décadas de uma política bem-sucedida de combate à pobreza em um momento em que ela é mais necessária. Milhares de famílias vulneráveis estão mal atendidas durante o período de transição entre os programas.
Desigualdade no acesso à saúde
Após mais de 600 mil mortes, o acesso desigual aos serviços de saúde deixou cicatrizes nos mais vulneráveis do Brasil.
Estudos de 2020 apontam a desigualdade como fator para o avanço do coronavírus nas periferias brasileiras, aumentando em até 50% o risco de morte pelo coronavírus. Mesmo com a vacinação no Brasil, resultado da importância do Sistema Único de Saúde – SUS, a maioria das mortes por covid-19 estão concentradas nas periferias das grandes cidades, em decorrência do acesso desigual às vacinas, entre outros. Segundo a OCDE, negros têm 1,5 vezes mais chances de morrer de Covid-19 do que brancos no Brasil.
O regresso das políticas de austeridade
Após a existência de um modelo orçamentário excepcional – permitindo a aprovação do programa Auxílio Emergencial em 2020 – o discurso pró-austeridade voltou a todo vapor em 2021. Como resultado, foram aprovados diversos cortes orçamentários em áreas-chave para o enfrentamento da pandemia de covid-19, como ciência e tecnologia, saúde e educação. Até o orçamento para as vacinas contra a covid-19 foi reduzido em 8,5% na previsão orçamentária de 2022. As políticas de austeridade estão sendo aplicadas apesar do consenso internacional sobre a recuperação pós-pandemia, sob o falso discurso de que o cenário fiscal brasileiro exige austeridade.
O “remédio” contra a epidemia de desigualdade
Uma solução possível – uma reforma tributária justa – não é prioridade para os tomadores de decisão. Uma oportunidade perdida: segundo pesquisa da Oxfam Brasil, 84% dos brasileiros concordam em aumentar os impostos dos muito ricos para financiar políticas sociais; 56% estão de acordo com o aumento de impostos para todos como forma de apoiar as políticas públicas. Os brasileiros também apoiam o forte e decisivo papel do Estado como provedor de políticas públicas. 86% acreditam que o progresso do Brasil está condicionado à redução da desigualdade entre pobres e ricos, enquanto 85% concordam que é obrigação dos governos reduzir a distância entre muito ricos e muito pobres. Esses são os “remédios” que precisamos para enfrentar a epidemia de desigualdade no Brasil.
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