Com a tentativa de privatização da EMBRAER e da ELETROBRÁS o debate sobre a venda das empresas brasileiras retorna ao centro das atenções.
Seguem dois artigos que nos ajudam a entender melhor esse debate.
Para que serviram as privatizações? (no link o artigo na integra em PDF). Artigo da economista Maria Lucia Fattorelli Carneiro publicado no final da década passada, mas muito atual, responde com clareza o que está por trás e quais são os interesses econômicos que envolvem a proposta de privatização das empresas estatais brasileiras. Alerta ainda para a realidade dos trabalhadores nas empresas privatizadas, que é a de trabalho precarizado e serviço sucateado com perda significativa de qualidade e aumento de preços pela necessidade do lucro.
E, junto, traz outra discussão sobre a eficiência do setor publico x privado (no link o artigo na integra em PDF). Neste outro artigo, de janeiro de 2018, o economista do Dieese Cloviomar Caranine aborda a falácia da eficiência do setor privado, destacando que “o problema do setor público não é ser público, e sim ser burocrático e recheado de administradores corruptos”.
Essa discussão nos remete também a nossa, específica, da privatização dos Radiofarmacos, que vira e mexe volta à tona.
Leia nos links a seguir
● Para que serviram as Privatizações?
Para pagar pequena parte da dívida ilegítima!
Este artigo foi publicado, originalmente, no portal Auditoria Cidadã da Dívida. Abaixo, publicamos parte do texto e disponibilizamos o arquivo para download com a íntegra do artigo. A maior justificativa para a venda das empresas estatais o pagamento da dívida de fato se efetivou, embora os recursos obtidos tenham respondido por apenas parte do que era exigido pelos credores. Durante o Plano Real, Fernando Henrique Cardoso obteve as divisas (moeda estrangeira) necessárias para a manutenção do pagamento da dívida através das privatizações, uma vez que o saldo comercial (tradicional fornecedor de dólares para os credores externos) havia se transformado num grande déficit.
Este déficit foi resultado da abertura indiscriminada às importações e também às privatizações, uma vez que as multinacionais compradoras das estatais passaram a importar seus insumos, equipamentos e tecnologia. Também prejudicou as contas externas o aumento das remessas de lucros, provocado pelo próprio processo de privatizações. Podemos verificar este movimento no gráfico acima. Enquanto o saldo comercial se torna negativo, o investimento estrangeiro direto explode, principalmente devido às privatizações. Ou seja: vendeu-se o país para pagar a dívida externa, cumprindo fielmente a vontade de Margaret Thatcher. Mas o resultado final foi a perda do patrimônio nacional e o aumento da própria dívida.
O gráfico anterior, por sua vez, mostra o destino dos recursos provenientes das privatizações, em moeda nacional. Verifica-se que 80% dos recursos obtidos nos anos de 1995 a 1999 (período no qual foram privatizadas a Vale do Rio Doce, as teles e as elétricas) foram destinados ao pagamento das dívidas externa e interna. Logo após a venda da Vale, o Ministério da Fazenda divulgou nota oficial justificando a venda da empresa pelo fato de a economia de juros ocasionada pela privatização ser maior do que os lucros que a companhia repassava ao Tesouro:
Ao longo dos próximos doze meses o Tesouro Nacional deixará de gastar cerca de R$ 534 milhões com o pagamento de juros sobre a dívida pública mobiliária em decorrência da privatização da CVRD. (…) Os dividendos que vinham sendo pagos anualmente pela Vale à União equivalem a uma média inferior a R$ 100 milhões por ano, segundo o secretário (Nota oficial do Ministério da Fazenda, 13/05/1997).
Porém o crescimento da dívida foi tão assustador que superou em muitas vezes as receitas das privatizações, como se vê no gráfico a seguir.
Estimando o valor do patrimônio da CVRD em R$ 92 bilhões, e aplicando o percentual de 45% (referente à redução da participação estatal na CVRD desde o leilão de privatização), verificamos que o prejuízo financeiro do país com a venda da Vale foi de R$ 42 bilhões.
Porém, o serviço da dívida pública federal no período de 1997 a 2006 representou R$ 1,179 trilhão, o que equivale a nada menos que 28 leilões da CVRD, ou um leilão da Vale a cada quatro meses!
E a dívida continua gerando privatizações…
O presidente FHC inseriu em suas cartas de intenção ao FMI a reforma (privatização) da Previdência, a privatização dos bancos estaduais, das empresas elétricas, de resseguros, e a venda de participações acionárias minoritárias. Por sua vez, o presidente Lula continuou assinando cartas de intenção ao FMI e ao Banco Mundial, onde constavam também a reforma (privatização) da Previdência, a venda dos quatro bancos federalizados, as parcerias público-privadas e a reforma universitária, materializada no Prouni, que concede generosas isenções fiscais para que as faculdades privadas disponibilizem determinada quantidade de vagas com bolsas de estudo.
Lula também prosseguiu a venda de poços de petróleo a preços baixíssimos (iniciada por FHC), e manteve a política de concessão de rodovias para a iniciativa privada cobrar pedágios, enquanto bilhões da CIDE (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico, destinada ao melhoramento das estradas) apodrecem no superávit primário. Lula também insiste em implementar o famigerado projeto de transposição do rio São Francisco, que representa a privatização da água, uma vez que esta irá para os grandes produtores. Além disso, o governo planeja vender este ano as jazidas minerais restantes em poder da União.
Porém, a privatização mais cruel é a ausência de serviços públicos básicos, por causa do superávit primário (reserva de recursos para o pagamento da dívida). Apesar do enorme sacrifício imposto à sociedade para produzir esse superávit (contínuo aumento da carga tributária e cortes de gastos e investimentos públicos), o endividamento segue aumentando, tendo a dívida interna alcançado em fevereiro de 2007, a cifra de R$ 1,2 trilhão, e a dívida externa US$ 203 bilhões.
*Maria Lucia Fattorelli é auditora fiscal, segunda vice-presidente da Unafisco Sindical e coordenadora da Auditoria Cidadã da Dívida/Rede Jubileu Sul Brasil; Rodrigo Ávila é economista da Auditoria Cidadã da Dívida/Rede Jubileu Sul Brasil.
● Empresas privadas não são mais eficientes que públicas, aponta Dieese;
Cloviomar Caranine, economista da entidade, comenta sobre o documento lançado no final de janeiro
Governo estuda privatizar Eletrobrás
O Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) lançou, no final de janeiro, uma nota técnica sobre o impacto das privatizações na economia, explorando a importância das empresas públicas em diversos países do mundo. Batizado de “Empresas estatais e desenvolvimento”, o documento não só faz análises históricas, como também aborda as medidas do governo Michel Temer na área.
O estudo foi preparado pela equipe do Dieese no Rio de Janeiro, reunindo especialistas em temas como saneamento, petróleo e produção energética. Cloviomar Caranine, economista da entidade e um dos integrantes do grupo que formulou a nota, explica que no contexto atual há uma ofensiva das empresas sobre setores públicos, decorrente do excesso de liquidez financeira. Ou seja, uma busca do setor privado em converter dinheiro em bens.
A busca por empresas públicas, segundo Caranine, tem uma razão óbvia: elas são lucrativas. Entre 2002 e 2016, as empresas públicas federais retornaram em média R$ 19 bilhões anualmente ao estado brasileiro em dividendos.
“Não é verdade que as empresas privadas são mais eficientes que as públicas. A gente mostra isso. Como os outros países, até mesmo os de orientação neoliberal, tratam suas empresas estatais e qual o papel delas lá? Elas são importantes e esses países têm elas enquanto estratégicas. Ela pode ser usada como política do governo para fazer avançar o atendimento à população e também como uma importante alavanca de desenvolvimento. Alguns países que lá atrás tomaram a decisão de privatizar alguns setores, agora estão reestatizando”, diz.
Um dos exemplos de reestatização que vem ocorrendo no mundo é o de fornecimento de água e saneamento, o que põe o país na contramão mundial. “O mundo está estatizando, o Brasil está privatizando”, resume ele.
O economista cita uma série de razões para manutenção de empresas públicas, relacionadas à soberania nacional. Segundo ele, investimentos de longo prazo não são assumidos pela iniciativa privada, como a construção de usina hidrelétrica e a pesquisa que levou à descoberta do pré-sal. Outro elemento é garantir os serviços essenciais à vida, como saúde, educação, água e energia. O último ponto trazido por Caranine é a possibilidade de evitar monopólios privados, como no setor bancário.
Conjuntura
O integrante do Dieese rebate os argumentos do Planalto para realizar as privatizações. Além das já realizadas, o governo federal tem em sua agenda a privatização da Eletrobrás, estatal de energia.
“O que está acontecendo é que o governo vive uma dificuldade em relação ao ajuste fiscal. Há menor arrecadação e seus gastos se mantendo ou crescendo. Há, portanto, déficit. Como saída, o governo Temer faz uma opção de, por um lado, tentar estimular o investimento privado e, por outro, aumentar a arrecadação vendendo as empresas estatais. Como efeito, há forte redução da presença de empresas estatais e públicas na prestação de serviços à sociedade. Isso já está acontecendo. Segundo, uma maior dependência de investimento, recurso e até produtos e serviços estrangeiros”, diz.
Na questão da dependência, ele cita o exemplo dos derivados do Petróleo, que gera consequências diretas ao consumidor. “O Brasil está tomando a decisão de reduzir a Petrobras, reduzir seu refino e a oferta de derivados do petróleo, para atrair empresas, que vão importar. Um dia desses teve um furacão nos Estados Unidos e o preço da gasolina subiu no Brasil e houve risco de faltar gasolina. O Brasil está importando e poderia estar refinando”, aponta.
Caranine afirma que é cedo para apontar todos os possíveis efeitos das privatizações promovidas por Temer, mas afirma que historicamente elas sequer resolvem os problemas fiscais citados pelo governo. Ele lembra que em 1995 a dívida pública representava 28% do Produto Interno Bruto. Em 2003, após o processo de privatizações no governo FHC, a dívida atingiu o patamar de 52%.
Em sua visão, isto ocorre pois as privatizações não tocam o rentismo, principal problema econômico do país. A lógica é simples: com o aumento de 1% na taxa de juros, diz ele, a dívida aumenta em um ano o equivalente ao valor de uma empresa pública.
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